Fases do processo de pesquisa secretarial: a questão da tipologia


No texto passado, começamos a explorar as fases do processo de pesquisa e focamos especialmente na questão da abordagem que, conforme vimos, pode ser qualitativa, quantitativa ou quali-quanti. Esse dado é importante para indicar qual é o percurso que você vai seguir durante o seu trabalho, como você analisará os dados que serão encontrados e a relevância que você dá para algumas informações. Para além disso, é como se fosse o pano de fundo da sua metodologia, por isso é comum vermos, em resumos de trabalhos, autores começando a explicar os métodos utilizados pela abordagem da pesquisa. Veja, por exemplo, grifado por mim, o resumo do trabalho O Fenômeno da Improvisação no Contexto das Competências Secretariais, das autoras e autor Shayany Aline Padilha, Deise Maria Wilhelm, Kátia Denise Moreira e Enio Snoeijer:

Resumo: À medida que se considera o profissional de secretariado executivo como peça- chave para responder às rápidas mudanças no âmbito organizacional não planejadas, pressupõe-se que haja correlação entre improvisação e competências secretariais. Nesse contexto, o objetivo deste estudo é averiguar o fenômeno da improvisação como competência secretarial. Em termos metodológicos, realizou-se uma pesquisa de abordagem qualitativa e de objetivo descritivo. Quanto à estratégia de coleta de dados, tratou-se de uma pesquisa bibliográfica e documental. Com base no tratamento dos dados, que ocorreu por intermédio de categorização e análise de conteúdo, confirmou-se, em âmbito teórico, a relação da improvisação com as competências secretariais, muito embora não esteja explícita no rol de competências do profissional de secretariado. Constatou-se que a improvisação pode contribuir com a ampliação do campo secretarial, em termos teóricos, configurando como uma nova competência a ser desenvolvida.

Sendo assim, a abordagem não é só o ponto de início, mas sim o norte do trabalho metodológico do pesquisador, indicando inclusive a sua identidade enquanto intelectual.

Ainda sobre o resumo acima, vemos que o trabalho, a pesquisa, caracteriza-se como sendo bibliográfica e documental. Nesse sentido, partimos então para a segunda fase do processo de pesquisa e o objeto de análise do texto de hoje: identificar a modalidade de pesquisa.

FASE 2 - Demarcar a modalidade de pesquisa

A modalidade, tipologia, da pesquisa é caracterizada pela identidade da pesquisa, considerando os objetivos que ela se propõe a alcançar e o problema que deseja responder. Vejamos um exemplo: quando preciso descobrir um fenômeno empírico do mundo do trabalho, o ideal é que eu faça um estudo de campo, seja por meio de uma pesquisa exploratória ou um estudo de caso, por exemplo; logo, com base no que desejo (descobrir um fenômeno empírico), estarei guiado por um tipo de pesquisa (neste caso, a exploratória ou o estudo de caso) para me auxiliar no processo de coleta e análise de dados.

Normalmente, o problema de pesquisa e o objetivo geral direcionarão a tipologia de pesquisa mais adequada para a análise em questão. Então, para se definir a modalidade, tenha seu problema e objetivos bem definidos para não ocorrer um problema metodológico no seu trabalho.

Com base nos objetivos, a sua pesquisa pode ser um conglomerado de modalidades: como observamos no exemplo acima, a pesquisa é bibliográfica e documental. Isso é comum no mundo acadêmico e também em pesquisas profissionais, ainda que não seja pontuado durante o processo, para o segundo caso. Reitero aqui que o campo secretarial tem a pesquisa como uma prática rotineira, afinal não há como estabelecer um planejamento estratégico sem uma pesquisa básica que o embasará; a questão que estamos tentando sanar nesse grupo de textos sobre metodologia secretarial é identificar e teorizar o que já temos feito, seja por meio de conceitos já consolidados no campo da metodologia científica ou por meio da criação de conceitos que considerem a identidade secretarial.

Recorramos novamente a um exemplo. Vou pesquisar a prática de gestão eletrônica de documentos para estabelecer um fluxograma para minha empresa. Inicialmente, terei que entender o que é gestão eletrônica de documentos (GED) e verificar as legislações e sistemas disponíveis e vigentes. Nesse primeiro momento, teremos uma pesquisa bibliográfica (dos conceitos), documental (dos documentos) e exploratória (dos sistemas). Para o segundo momento, com base no que temos e no perfil da nossa empresa, vamos descrever a prática de modo sistematizado (seguindo um passo-a-passo), para que outras pessoas consigam desenvolver a ação de modo estratégico e otimizado. Nesse segundo momento, a pesquisa já se caracteriza como descritiva (descrevendo o passo-a-passo) e explicativa (explicando como aplicar). Uma mesma pesquisa, cinco modalidades adotadas. Faz sentido para você?


Considerando o exemplo, vale conceituar o que são pesquisa exploratória e pesquisa explicativa, para não ficarmos com nenhum ruído de comunicação (risos). Corroboro com Antônio Joaquim Severino (SEVERINO), quando, em seu livro Metodologia do Trabalho Científico (23. ed. São Paulo: Cortez, 2007), diz:

A pesquisa exploratória busca apenas levantar informações sobre um determinado objeto, delimitando assim um campo de trabalho, mapeando as condições de manifestações desse objeto. Na verdade, ela é uma preparação para a pesquisa explicativa.
A pesquisa explicativa é aquela que, além de registrar e analisar os fenômenos estudados, busca identificar suas causas, seja através da aplicação do método experimental/matemático, seja através da interpretação possibilitada pelos métodos qualitativos (p. 123).

Demarcando o que entendo por modalidade de pesquisa, vamos para os tipos que julgo serem mais adequados para o secretariado.

Pesquisa etnográfica e autoetnográfica secretarial

A pesquisa etnográfica visa compreender, na sua cotidianidade, os processos do dia-a-dia em suas diversas modalidades. Trata-se de um mergulho no microssocial, olhado com uma lente de aumento. Aplica métodos e técnicas compatíveis com a abordagem qualitativa. Utiliza-se do método etnográfico, descritivo por excelência (SEVERINO, 2007, p. 119).

Nesse sentido, a pesquisa etnográfica busca conhecer os processos humanos realizados cotidianamente em um recorte específico, para o nosso caso: no secretariado. A pesquisa etnográfica secretarial refere-se à descrição de práticas e rotinas, pessoais e profissionais, de secretárias e secretários em seu locus de trabalho. 

Em contraponto ao estudo de caso, método que eu já defendi aqui em meu blog, no texto Por uma metodologia aplicada à construção do conhecimento secretarial, como sendo o mais adequado para o caso do secretariado, a etnografia enquanto método apresenta um grande caráter ético e humano do pesquisador, considerando o outro não só como objeto de pesquisa, mas como sujeitos. Nesse aspecto, os elos humanos são estabelecidos como escolha política metodológica, em que não há hierarquia entre pesquisador e pesquisado, mas uma contribuição mútua para a evolução do conhecimento humano.

Uma questão que vem a tona, considerando especialmente as epistemologias do sul, abordagem proposta pelo professor Boaventura de Souza Santos, que considera a ruptura de modelos teóricos e metodológicos que pouco conversam com a realidade latinoamericana, é o fato de, por diversas vezes, o pesquisador secretarial ser também profissional de secretariado. Sendo assim, é possível estabelecer um método que inclua o sujeito pesquisador também como sujeito pesquisado, falamos então da autoetnografia secretarial.

A autoetnografia reside na análise descritiva das práticas profissionais do próprio pesquisador. Ela ainda pode ser utilizada junto ao método etnográfico, em um modelo comparativo, buscando compreender e analisar elos de conexão entre as práticas e rotinas descritas. 

As pesquisas autoetnográficas são naturalmente de campo, ainda que falemos de uma autoanálise; e é comum que o pesquisador se coloque como narrador da história, em primeira pessoa ou criando um personagem fictício para cativar e envolver o seu leitor.

Do ponto de vista da narrativa formal, os autoetnógrafos muitas vezes escrevem usando a voz na primeira pessoa, ou seja, posicionando-se como narrador da história. O ponto de vista da primeira pessoa é decididamente subjetivo, porque o narrador relata o que ele ou ela observa (ou observou), as experiências, os saberes e o sentimento que fornece aos leitores sobre seus relatos enquanto uma testemunha ocular do fato vivido (SANTOS, 2017, p. 232).

Inicialmente, o principal cuidado que o pesquisador precisa ter é na delimitação do perfil dos sujeitos envolvidos. Se eu for secretário executivo em uma instituição de ensino, o ideal é analisar etnograficamente profissionais que atuam na mesma modalidade de instituição, quando eu quiser fazer uma análise comparada com as minhas práticas e rotinas profissionais.

O segundo ponto de atenção no método autoetnográfico é na escolha de um elo de conexão de análise, ou seja, um segundo ponto focal que servirá como aporte para as análises, ainda mais quando não houver outros sujeitos envolvidos na pesquisa além do próprio pesquisador. É preciso um aporte teórico bem delimitado, considerando o autoperfil que será analisado. Esse elo pode ser constituído, no caso do secretariado, por artigos especializados, pelas diretrizes curriculares nacionais para os cursos de bacharelado em secretariado, pelo perfil do egresso estabelecido nos catálogos de cursos técnicos e tecnológicos e pelo perfil do profissional de secretariado estabelecido na Lei de Regulamentação da Profissão, nº 7377/1985.

Leitura complementar:
PEIRANO, Marisa. A favor da etnografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.
SANTOS, Silvio Matheus Alves. O método da autoetnografia na pesquisa sociológica: atores, perspectivas e desafios. In: PLURAL, Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.24.1, 2017, p.214-241.


Pesquisa participante e pesquisa-ação no contexto da autoetnografia secretarial


A pesquisa autoetnográfica pode ser desenvolvida na vertente participante ou pesquisa-ação: 1) quando pesquiso um grupo em que estou inserido, como, por exemplo, as práticas do setor em que atuo profissionalmente; 2) quando, por meio da pesquisa e dos dados obtidos nela, proponho uma intervenção nas práticas profissionais do grupo que integro. No primeiro caso, temos a pesquisa participante autoetnográfica; no segundo, a pesquisa-ação autoetnográfica.


Nesse sentido, o pesquisador, diferente das abordagens iniciais de pesquisa participante e pesquisa-ação, em que ele se insere no ambiente para melhor compreendê-lo, na autoetnografia, ele é parte do grupo, está diretamente integrado a ela.


Leitura complementar:

DEMO, Pedro. Pesquisa participante: saber pensar e intervir juntos. Brasília: Líber Livro, 2004.

THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 2005.


Pesquisa de campo e estudo de caso


Pesquisa que se concentra no estudo de um caso particular, considerado representativo de um conjunto de casos análogos, por ele significativamente representativo. A coleta dos dados e sua análise se dão da mesma forma que nas pesquisas de campo, em geral (SEVERINO, 2007, p. 121).


Recomenda-se que o caso estudado seja significativo e bem representativo, para garantir a capacidade de generalização em situações análogas. A questão do rigor científico deve ser um ponto de atenção e o pesquisador necessita atentar-se para o distanciamento do caso estudado para melhor compreendê-lo. O distanciamento é basilar.


Nesse sentido, Severino (2007, p. 123) sintetiza o que é a pesquisa de campo:


Na pesquisa de campo, o objeto/fonte é abordado em seu meio ambiente próprio. A coleta dos dados é feita nas condições naturais em que os fenômenos ocorrem, sendo assim diretamente observados, sem intervenção e manuseio por parte do pesquisador. Abrange desde os levantamentos (surveys), que são mais descritivos, até estudos analíticos (grifo nosso).


Uma problematização cabível a esse modelo de pesquisa e método é o fato de entendermos que a pesquisa científica secretarial, pelo seu caráter humano, social e cultural, é subjetiva. Ainda que se tente o distanciamento, a escolha da bibliografia básica, por exemplo, já é uma escolha pessoal do pesquisador. Sendo assim, podemos inferir que a pesquisa secretarial é pessoal e está intimamente inundada nos valores e vivências de quem a realiza.


Leitura complementar

ANDRÉ, Marli E. D. A. de. Estudo de caso em pesquisa e avaliação educacional. Brasília: Líber Livro, 2005.

YIN, R. K. Estudo de caso. Porto Alegre: Bookman-Artmed, 2001.


Pesquisa bibliográfica e pesquisa documental


Fundamentalmente, todo relatório técnico de pesquisa busca fazer um apanhado referente ao que outros autores vêm debatendo sobre a temática trabalhada para depois seguir com os dados, quando há dados a serem trabalhados. Esse apanhado é o que chamamos referencial teórico. Ele irá embasar o trabalho e durante todo o texto será relembrado, criando assim elos entre a novidade que a pesquisa traz e a teoria anterior e clássica da área.


No secretariado, compreendendo-o como uma área das ciências sociais aplicadas, para organizar esse referencial teórico, utilizamos a pesquisa bibliográfica e/ou a pesquisa documental. Essas duas modalidades de pesquisa podem ser utilizadas também como método único de coleta de dados, quando não só construímos o referencial teórico, mas analisamos, um ou mais, documentos ou uma temática na visão de determinados autores e pesquisadores. Sendo assim, existem duas possibilidades de uso: como método para a construção do referencial e/ou como método único de pesquisa, quando não há empiria (o pesquisador ir a campo entrevistar profissionais, por exemplo).


Buscando melhor compreensão em relação à pesquisa bibliográfica, observemos a sua caracterização:


A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, livros, artigos, teses etc. Utiliza-se de dados ou de categorias teóricas já trabalhados por outros pesquisadores e devidamente registrados. Os textos tornam-se fontes dos temas a serem pesquisados. O pesquisador trabalha a partir das contribuições dos autores dos estudos analíticos constantes dos textos (SEVERINO, 2007, p. 122).


O uso do termo bibliográfico é bem emblemático, pois remete a um apanhado de textos impressos, normalmente registrados em livros. Tão emblemático é que não falamos mais de Referências Bibliográficas, mas somente Referências, compreendendo outras categorias de fontes utilizadas. Nesse sentido, diversos pesquisadores costumam utilizar o termo revisão de literatura para se referir à revisão bibliográfica dos textos encontrados na pesquisa bibliográfica, evitando desentendimentos teóricos.


Veja, a revisão é o processo de tratamento e análise dos textos encontrados, já a pesquisa bibliográfica é a curadoria de quais referenciais você seguirá no desenvolvimento de sua pesquisa. 


Em relação à pesquisa documental, muito comum no secretariado, Severino (2007, p. 122) sinaliza:


No caso da pesquisa documental, tem-se como fonte documentos no sentido amplo, ou seja, não só de documentos impressos, mas sobretudo de outros tipos de documentos, tais como jornais, fotos, filmes, gravações, documentos legais. Nestes casos, os conteúdos dos textos ainda não tiveram nenhum tratamento analítico, são ainda matéria-prima, a partir da qual o pesquisador vai desenvolver sua investigação e análise.


Observe bem: enquanto na pesquisa bibliográfica trabalhamos com textos que fazem análises relacionadas ao nosso objeto de pesquisa, na documental trabalhamos com o objeto cru. Para saber se um tema ou objeto é inédito e não há bibliografia relacionada a ele, é preciso realizar uma pesquisa em bancos de dados para verificar se há mesmo esse ineditismo, de modo a não desvalidar as pesquisas já realizadas sobre àquela temática e, assim, respaldar o seu trabalho enquanto pesquisador.


Nessa segunda modalidade de pesquisa, não só consideramos documentos formais e oficiais, como leis, relatórios técnicos e pareceres, mas também documentos audiovisuais e escritos em veículos de comunicação de diferentes tipos (jornal, revista, blog, site, dentre outros). 


Documento: em ciência, documento é todo objeto (livro, jornal, estátua, escultura, edifício, ferramenta, túmulo, monumento, foto, filme, vídeo, disco, CD etc.) que se torna suporte material (pedra, madeira, metal, papel etc.) de uma informação (oral, escrita, gestual, visual, sonora etc.) que nele é fixada mediante técnicas especiais (escritura, impressão, incrustação, pintura, escultura, construção etc.). Nessa condição, transforma-se em fonte durável de informação sobre os fenômenos pesquisados (SEVERINO, 2007, p. 124).


Voltando às epistemologias do sul, o convite que nos chega é de rompimento dos muros da lógica eurocêntrica de pesquisa, você pode encontrar dados riquíssimos para a sua análise em blogs de profissionais da área, em textos no Instagram, LinkedIn e Facebook, bem como em sites profissionais. No caso do secretariado, cada empresa é um mundo e cada mundo adota suas políticas e modos de operação, comumente com características básicas parecidas, mas adaptadas à realidade daquela organização. Sendo assim, a prática adotada por determinado profissional, isoladamente ou não, não é um dado vazio, mas um ponto riquíssimo para análise. Se há resultados e se esses resultados mantêm o profissional em seu posto de trabalho, alí tem farinha que pode render um angu.


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Para o texto da próxima semana exploraremos a Fase 3 - as técnicas de pesquisa. Sendo assim, aguardo você na sexta que vem, às 12h.


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Como citar este texto no seu trabalho acadêmico:

MOURA, Jefferson Sampaio de. Fases do processo de pesquisa secretarial: a questão da tipologia. Blog Um Sampaio, 2022. Disponível em <inserir link> . Acesso em XX mês de ano.


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