Secretariado: quando a renovação é necessária
Enquanto escrevo esse texto, escuto Cartola. É incrível como ele consegue alcançar os nossos corações com canções tão simples e ao mesmo tempo tão verdadeiras e humanas. A que escuto agora é "Preciso me encontrar", uma das minhas favoritas. Gosto da parte em que ele diz:
"Eu quero nascer, quero viver... Deixe-me ir, preciso andar, vou por aí a procurar, sorrir pra não chorar"
Eu quero nascer. Não um nascer carnal, mas um nascer espiritual, da alma, nascer em um mundo onde eu possa ser eu mesmo, sem padrões desnecessários, sem imposições, sem medo de ser feliz e sem dores. Um mundo em que as pessoas me vejam como um ser humano, não como uma máquina produtora de resultados, que estará sempre a disposição, dia e noite, durante a alegria e a dor, sempre com um sorriso no rosto, paletó alinhado e gravata.
Logo no ensino médio decidi que queria fazer graduação em Secretariado Executivo, era um mundo que me encantava. Via as secretárias do lugar onde eu trabalhava como menor aprendiz e ficava encantado, achava o máximo como elas dominavam o espaço e faziam tudo acontecer. Elas eram umas deusas, mutantes, angelicais, sorridentes, faziam com que tudo ao redor funcionasse. Era duro o dia delas, mas com cuidado elas faziam o ambiente se tornar mais leve. Eram verdadeiras heroínas.
Entrei na faculdade. Logo no primeiro semestre decidi que seria professor, professor na área de secretariado. Os anos se passaram e cá estou, professor na área de secretariado. O mundo conspira ao nosso favor. Consegui juntar duas coisas que amo: o secretariado e ensinar.
[...]
A profissão sempre me encantou. Não só por causa do salário, mas pela beleza do fazer secretarial: o ajudar, o assessorar, o apoiar, o doar-se, o fazer a coisa acontecer e etc. Nascemos na necessidade de ajuda e secretariar é isso: ajudar pessoas dia e noite.
Todavia, em algum momento da história desandamos (talvez seja esse o momento em que você começa a não gostar do texto e desiste de ler até o final, eu te entenderei se assim o fizer). Em algum momento da história nos apropriamos do poder que tínhamos em nossas mãos e esquecemos de ser humanos. A profissão se elitizou, características do modo capitalista de ser foram tomando conta das(os) profissionais: a competição, o individualismo, o se achar melhor que o outro só porque você está como secretária(o) da(o) presidente da empresa, fala mais de uma língua ou fez o curso em uma instituição de renome; o consumismo exacerbado de produtos de luxo, de modo que esteja sempre alinhada(o); o diminuir outras pessoas para conseguir uma promoção; e várias outras coisas. Nesse meio caminho, o ser humano foi esquecido. Não só o ser humano que era atendido, mas o ser humano por trás da(o) profissional. A acidez foi tomando conta, o romantismo só cabia nas relações com pessoas que poderiam de algum modo ofertar algo ou algum benefício e para chefias e autoridades superiores. Talvez por isso tudo é que foi criado o Código de Ética da profissão (magnífico, bem estruturado e de uma preciosidade). Ainda hoje, muitas(os) profissionais ignoram ele, isso é um fato irrefutável. Esse é um problema que não queremos visitar e que muitos tentam invisibilizar e minimizar. Ele existe e precisamos enfrentá-lo.
Muitos cursos de secretariado estão fechando as portas por falta de alunos, isso em todas as partes do país. Escuto falas desmotivadas de secretárias(os) que atuam na docência, quando falam do curso de secretariado, e isso me dói. Não só dói, corta-me e dilacera meu ser. É como se pegassem uma faca e enfiassem em meu peito. A sensação é tão forte que meu coração acelera, minhas mãos soam e tremem, meu corpo arrepia, a saliva some e fica ali só a minha carne trêmula. Em meio ao silêncio, meu coração grita, gritos de não: não é isso, não desanime, não destrua isso, não diga isso, não faça isso, não, não... vários nãos. O maior deles é o que diz o meu coração para mim mesmo: não acredite e não se conforme com isso.
Esse "não" me motiva a querer mudar essa realidade. Temos sim profissionais movidas(os) pelo sucesso, dinheiro e pelas demandas do mercado, mas temos sim tantas(os) outras(os) que são movidas(os) pelo desejo de ajudar o outro a ser mais, a ser melhor, que se baseiam nas demandas do mercado, mas não se descaracterizam e nem diminuem outras pessoas que não seguem os padrões que alguns acham correto (usar determinada roupa, falar de determinada forma, portar-se de tal jeito, ser informal). As empresas mudaram, mas muitas(os) profissionais não aceitam essas mudanças.
Hoje já não basta ser competente se você não tomar uma postura simpática (uso aqui o conceito de simpatia adotado por Lynn Hunt, em seu livro "A Invenção dos Direitos Humanos", que é quando a sua humanidade sente a humanidade do outro) e respeitosa para com o outro. As máquinas já fazem boa parte de nosso serviço, mas não conseguem manter vínculos afetivos a ponto de firmar novas parcerias, conseguir novos contatos, mudar ideias, buscar soluções para conflitos humanos e criar um clima amistoso, onde as pessoas já não são movidas por relações de poder, mas por relações de confiança, respeito e troca. Ouso dizer que a profissão de secretariado nunca acabará, pois conseguimos fazer coisas que as máquinas não fazem.
Nesse sentido, necessitamos nos apegar ao ser humano que está dentro de nós e dentro das outras pessoas. Não pensar exclusivamente na formação tecnicista, mas sim articulá-la à formação humana, onde o ser humano é o centro e não só os benefícios econômicos. Nascemos da necessidade de ajuda, podemos retomar isso e recriar a profissão. Isso é o que me move.
"Que um homem não te define
Sua casa não te define
Sua carne não te define
Você é seu próprio lar" (Francisco, El hombre - Triste, louca ou má)
Um paletó não define se o profissional é bom ou não. Roupa não define competência. Seriedade não define profissionalismo. Formalidade desnecessária, em momentos desnecessários, só te exclui e afasta do grupo. O mercado hoje não está atrás de profissionais fechados em caixinhas, mas sim de profissionais maleáveis, flexíveis, inovadores, criativos, alegres, competentes naquilo que se propõem e humanos. Isso definirá se você conseguirá postos ainda não obtidos pelo profissional de secretariado ou viverá eternamente no mesmo posto de trabalho, o que também não é um problema. Existem pessoas que querem mais e outras que já são extremamente realizadas atuando como secretária(o), isso vai de perfil para perfil. O que não se pode é viver reclamando por não conseguir coisas novas, vivendo e tomando sempre as mesmas posturas.
Sou secretário executivo, sou extrovertido, sou informal quando me é permitido, sorrio aos quatro ventos, abraço quando é preciso, faço piada, visto o que quero quando quero, sou do povão, sou da realeza, sou do mundo, e ouso dizer que sou muito competente naquilo que me proponho fazer. Não quero me exaltar, mas dizer que é possível ser excelente sem precisar usar um paletó, um terninho; é possível ser uma secretaria magnífica com seu jeito espontâneo de ser e com seu piercing no nariz; é possível ser secretária com seu corpo todo tatuado e usando roupas informais... Existem empresas que te exigirã roupas X e outras que te deixarão escolher o que vestir. Escolha empresas que cabem no seu perfil, empresas em que você poderá contribuir sem matar seu jeito de ser. Existem empresas de todos os tipos e para todos os perfis. Tente desapegar um pouco do vestido tubinho, da saia lápis, da maquiagem neutra, do scarpin, do terno e da gravata... haverá empresas que amarão seu jeito descontraído, extravagante de ser. Não se feche em empresas formais, se o seu perfil é outro. Não se descaracterize porque uma profissional disse que o modo de ser correto é esse ou aquele. No fundo, o que importa é se amar para poder amar e cativar outras pessoas, esse é o segredo do sucesso para a(o) profissional de secretariado.
Precisamos lutar contra alguns padrões que ainda tentam impor regras para a profissão. O mundo mudou, as empresas mudaram, precisamos acompanhar as mudanças. Precisamos aceitar que muita coisa caiu no desuso, outras são violentas e excludentes e algumas só afastam as pessoas. Precisamos ofertar cursos de secretariado que não formem para o elitismo, para a soberba, para a padronização, homogeneização, para a competitividade, mas que formem para o amor ao servir, que forme para as relações humanas, para a valorização do ser humano como ele é, que lute pelo direito de ser diferente e não que imponha padrões excludentes, limitantes e violentos.
Secretariar é lindo. Muitos cursos estão fechando e muitas pessoas estão desistindo da profissão porque ainda há um amor a morte: a morte do ser humano, a morte das relações humanas, a morte da personalidade das pessoas, morte do individual, a morte do coletivo. Precisamos pensar e ofertar cursos que formem para o amor a vida: a vida humana, a vida da esperança em dias melhores para a humanidade, a vida do coletivo e do individual, a vida da personalidade e das diferenças. A profissão nunca acabará, isso me é uma certeza, mas precisamos refletir muito e muito mesmo sobre que formação estamos propondo, para que público, para a construção de qual perfil e para que empresa. Não é só formar secretárias(os), é formar humanos que se identifiquem com o ajudar outros humanos, que pautados em atitudes humanistas construirão novos cenários de trabalho, novas relações humanas, novos paradigmas, novas empresas e novos rumos para a profissão. Não há possibilidade de se formar para o novo, vivendo na mesmice e baseando-se em padrões excludentes e antigos. Isso é um fato inquestionável.
O mundo mudou. Esses dias mesmo, durante o Congresso Internacional do Secretariado, enquanto uma grande amiga, Marcela Brito, e eu dançavamos alegremente um carimbó, uma secretaria nos olhou com um olhar inquisidor que mesmo em silêncio nos julgou e nos inferiorizou por causa daquela postura, vista como negativa e informal. Talvez ela não se conforme com o fato de que é possível ser excelente e ser divertido ao mesmo tempo. Ela não julgou duas pessoas somente, ela julgou uma Secretária de excelência, escritora, mãe, servidora de um dos maiores órgãos do Estado, mentora, empreendedora, graduada, pós graduada, professora e de extrema excelência; e um Coordenador de Curso de Graduação em Secretariado, graduado, pós graduado, mestrando, professor universitário, servidor público federal, que é excelente naquilo que faz. A mudança chegou, já não cabem alguns padrões.
Para a profissão manter-se viva, o foco necessita ser no ser humano, no ajudar o ser humano, ajudar empresas a serem mais humanas. A tendência do momento é ser humano, ser um profissional humanizado com práticas humanizadas.
"Prefiro queimar o mapa
Traçar de novo a estrada
Ver cores nas cinzas
E a vida reinventar" (Francisco, El hombre - Triste, louca ou má)
Esse texto não é só um desabafo, mas um convite para construirmos novos cenários dentro do Secretariado, baseados no amor à vida. Um convite para fazermos diferente e buscarmos construir uma profissão mais humanizada, baseada na excelência e no bem estar humano.
Já não há espaço para carão, tipinhos. O momento é outro: é de inovação e autenticidade. Formalidades são detalhes. Em alguns momentos, elas farão toda a diferença, em outras elas somente te descaracterizarão. Pense nisso.
Uau! Belo texto você realmente é muito bom.
ResponderExcluirContinue estimulando as pessoas com o seu jeito de ser e agir faz toda diferença é disso que o mundo precisa, de pessoas que contribuem para melhorar a vida do outro.
Ahh, obrigado demais pela visita aqui no meu site. Um grande abraço ^^
ExcluirMeu Deus, que texto é esse? Por muito tempo minhas inquietações eram compartilhadas e eu não sabia se eu estava muito fora de alinhamento, se alguém estaria junto comigo em minhas frustrações em relação ao caminho que estamos trilhando na profissão, enfim... E você, serzinho de luz que eu amo (temos um laço na eternidade, Jeff, eu não tenho a menor dúvida quanto a isso), me presenteia hoje com seu texto. Que bênção! Deus que te abençoe, meu amigo, e saiba que estarei ao seu lado, nas lutas pela melhoria do ensino no secretariado, no eventos para inspirar nossos estudantes e, até, nos passos de uma música espanhola, latina, paraense, porque isso já terá mais importância. O que contará é quem foi seu parceiro na dança da vida. E você é um dos melhores. Como o admiro! Obrigada por este texto!
ResponderExcluirMinha amiga, colega de profissão e amada companheira. Obrigado pelas palavras e pelo carinho de sempre. Você é e sempre me será uma grande inspiração.
ExcluirVamos que vamos!
❤
Jefferson,
ResponderExcluirAinda não tive a oportunidade de conhecer um homem que exerça a profissão que com todo amor escolhi para minha vida e que ao longo dos últimos 12 anos me susteve em tantos aspectos. Suas palavras são familiares para mim e mesmo sem conhecê-lo, admiro seu posicionamento, sua alegria e sensibilidade para enxergar além das aparências. Trabalhei com gestores e secretárias de personalidades variadas, alguns com o ego inflado, outros com humildade de coração e atitude desinteressada e, todos me ensinaram muito!
De tudo que vi e vivi, aprendi que é essencial não julgar o próximo, seja pela aparência ou pela atitude, aprendi a não fazer acepção de pessoas e aceitar o outro como ele é, pois, também sou imperfeita.
A caridade é o puro amor que nunca morre e procuro inserir este ensinamento nas minhas atitudes diárias. É um desafio e uma oportunidade de crescimento maravilhosa.
Simplesmente sensacional!
ResponderExcluirNão me canso de ler esse texto. Sei que assim como eu, várias pessoas se encontraram nessas palavras. Estou encantada, sem palavras! Secretariar é amor!
Gratidão Jefferson! ��
Nhaaa, Leidi querida.
ExcluirObrigado 🌻
Jefferson, sem palavras.
ResponderExcluirGratidão!
Gratidão digo eu.
ExcluirObrigado demais pelo carinho de sempre e pelos seus feedbacks.
Gratidão 🌻
Claudia,
ResponderExcluirObrigado demais pelo seu comentário e pelo seu relato. Trabalhar com a diversidade é o nosso desafio diário. Todos os dias lidamos com pessoas diferentes e com exercícios distintos, logo precisamos estar abertos ao novo. Não é fácil, exige flexibilidade, algo que nem todos estão dispostos a ter.
Obrigado novamente pela sua visita.
Abraços fraternos,